DIREITA NO PÚLPITO

O Brasil político dos evangélicos

Especial para o BSM · 30 de Abril de 2024 às 15:15 ·

O amálgama entre a pauta da direita e os valores defendidos pelos evangélicos pode estar criando uma força eleitoral que beira o insuperável

“Disse o Senhor: Levanta-te e unge-o, pois este é ele. Tomou Samuel o chifre do azeite e o ungiu no meio de seus irmãos; e, daquele dia em diante, o Espírito do Senhor se apossou de Davi.”
— Primeiro Livro de Samuel, capítulo 16.

No décimo sexto capítulo do primeiro livro canônico que leva seu nome, o profeta Samuel unge Davi diante dos irmãos do futuro rei de Israel. A mensagem do escritor bíblico é óbvia desde o início da seção: Deus escolheu o monarca, e seu profeta o anunciou por meio de uma ação simbólica ao derramar azeite sobre a cabeça do jovem pastor de ovelhas.

Assim como eu, talvez o leitor que ouviu o pastor Silas Malafaia na última manifestação convocada por Jair Bolsonaro em Copacabana também teve dificuldade em distinguir o que foi discurso político e o que foi pregação pentecostal. Não vejo nada de inusitado aqui: no final das contas, quem estava ao microfone era um líder evangélico que, desde os anos de 1990, é visto — agora sem o volumoso bigode — falando calorosamente nos púlpitos da igreja Assembleia de Deus.

O que eu gostaria muito de saber, no entanto, é se os ouvintes de Malafaia também receberam o que foi dito pelo pastor da mesma maneira que receberiam suas pregações dentro da igreja. Se a resposta for afirmativa — e tenho a impressão de que é —, o que testemunhamos no último Dia de Tiradentes foi a materialização de uma óbvia inclinação da direita brasileira em direção ao pentecostalismo evangélico.

Isso também não me surpreende: a mistura indistinguível entre discurso político, pregação e profecia — vejam, por exemplo, o que disse o pastor a Bolsonaro ao finalizar sua fala: “Você é o cara que Deus levantou, neste tempo, na nação. Não tenha medo dos seus inimigos, porque maior é o que está com você do que o que está com eles. Vai chegar a hora de Deus te honrar. Nós vamos ver essa gente ruim cair!” — a mistura indistinguível, dizíamos, presente nas palavras de Silas Malafaia é mais uma expressão do amálgama que existe entre a pauta da direita e os valores defendidos pelos evangélicos do Brasil. Para muitos deles — a grande maioria, se me pedirem para apostar —, Bolsonaro, direita, conservadorismo, patriotismo e evangelicalismo são quase sinônimos, manifestações das mesmas ideias em diferentes esferas da vida.

Não quero julgar aqui se estão certos ou errados. Deixo essa pergunta ao leitor que a deseje responder. O que me interessa nessa história toda é que, se as impressões descritas acima dizem a verdade sobre o que vimos acontecer em Copacabana, temos aí uma força eleitoral que beira o insuperável; se essas pessoas recebem o discurso político de Malafaia como uma verdade ontológica que guia suas ações e escolhas pessoais — como fariam com uma mensagem sua baseada na Bíblia Sagrada —, o pastor tem em suas palavras o poder de mobilizar o voto de virtualmente todos os evangélicos do Brasil — eu não sei quanto a vocês, mas a mim não vem à memória o nome de um líder religioso católico que tenha o impacto que Malafaia tem sobre as opiniões do brasileiro que ainda acredita em Deus.

Talvez seja do seio dessa organização política do movimento evangélico pentecostal que veremos emergir o novo Davi a ser ungido pelo profeta Samuel.

Renan Rovaris é escritor e designer.

 


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