A ditadura absorvida pelo espírito
Quando a crítica às autoridades vira crime, todas as pessoas correm o risco de internalizar o espírito da tirania
Eduardo Cabette
Há pelo menos quatro anos vivemos num ambiente em que opiniões e juízos de valor são confundidos com atuação criminosa e mentira, tendo em vista a discordância com uma determinada orientação ideológica. A crítica a órgãos públicos e a seus ocupantes é agora erigida à qualidade de “atos antidemocráticos”, atentados à “democracia”, sendo alvo de censura na melhor das hipóteses, quando não de criminalização artificiosa, com prisão, indisponibilidade de bens, silenciamento forçado, bloqueios em redes sociais e outras arbitrariedades.
Infelizmente é de se esperar que todo esse clima autoritário acabe contagiando parte das pessoas e não somente aquelas já propensas a determinadas ideologias nefastas, mas até mesmo muitas de boa vontade, as quais, dada a banalização do mal (Arendt),[1] acabam internalizando, sem mesmo o perceber, o autoritarismo e suas desrazões. A absorção da ditadura pelo espírito se dá silenciosa e insidiosamente e, por incrível que pareça, por um processo da racionalidade humana ou, melhor dizendo, da “racionalização”. Uma espécie de adaptação ou acomodação ao meio circundante e suas imposições, conceitos, atitudes, narrativas, explicações, justificativas e as mais variadas formas de influência psíquica.