MÍDIA

Editoriais siameses e o 1º de Maio de Lula

Especial para o BSM · 5 de Maio de 2024 às 12:06 ·

De repente, a Folha e o Estadão “descobriram” que o ocupante da Presidência está desconectado com o povo. Por que será?

Por Renan Rovaris

Depois de sentir-se encorajado para reclamar dos “excessos do STF"” à sombra de Elon Musk, um certo setor da mídia brasileira deu-nos mais uma prova de toda sua valentia jornalística ao chamar de “imagem do fracasso” e “fiasco” o ato de Lula no 1º de Maio, que aconteceu no estacionamento do Corinthians, na capital paulista, em comemoração ao Dia do Trabalhador. Os jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S.Paulo fizeram de seus editoriais a imagem do marinheiro que pula do barco ao primeiro sinal de água infiltrada, em dois textos que deixariam a professora de redação do ensino médio desconfiada da originalidade de seus alunos.

Para a Folha, o evento — que reuniu pouco mais de mil e seiscentas pessoas, segundo estimativas da USP — “explicitou mais uma vez a crescente desconexão do presidente e as ruas”, enquanto que, para o Estadão, a “foto de Lula diante de uns gatos-pingados em pleno 1º de Maio revela que a agenda do PT é vazia como aquela plateia e que o presidente não tem conexão com os trabalhadores do século 21”. Os jornais também afirmaram em uníssono que o problema de Lula está em não reconhecer que o sindicalismo já não funciona para mobilizar o trabalhador uberizado de hoje e que o presidente errou em jogar a culpa do vexame na organização do evento.

Ver dois editoriais de semelhança siamesa publicados em jornais mainstream da mídia brasileira não deve pegar nenhum leitor de calças na mão, nem tampouco vê-los agarrarem-se ao colete salva-vidas enquanto nadam em direção ao bote de resgate sem olhar para o barco de Lula, que vai afundando ao longe. Com Jair Bolsonaro aparentemente fora da próxima corrida presidencial, é possível que Luiz Inácio e sua garrafinha de água, companheira inseparável de palanque, tenham perdido a serventia e comecem a pegar mal para quem, no fim, sempre preferiu a firmeza de gelatina representada por Geraldo Alckmin.

Quem sabe alguém que tenha passado os olhos nessa última frase diga de si para si que ainda é cedo para afirmá-la com qualquer convicção. A audiência no Congresso dos EUA sobre a crise na democracinha brasileira, que está marcada para a próxima terça-feira, dia 7 de maio, em Washington, pode mudar os rumos dos futuros editoriais. Imaginar o que os temíveis imperialistas ianques comedores de criancinhas farão para ajudar a direita brasileira — tapando os olhos para não enxergar que o assunto da audiência é o fim da liberdade de expressão no Brasil — pode fazer qualquer grandalhão da mídia voltar correndo para o barco de Lula e começar a praticar novamente o nado sincronizado das redações.

Renan Rovaris é escritor e designer.

 


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