JURISTOCRACIA

“Não compete ao STF julgar ex-presidente”, diz Marco Aurélio Mello

Redação BSM · 4 de Março de 2024 às 19:46 ·

Ex-ministro da Corte defende Bolsonaro e expoe fragilidades e abusos dos inquéritos conduzidos por Alexandre de Moraes. 

Em uma recente entrevista para o portal UOL, publicada nesta segunda-feira, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello, criticou a atuação política da corte e deixou clara sua opinião divergente sobre temas jurídicos e políticos que têm dominado o cenário brasileiro. Suas falas abrangem desde a possibilidade de anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro até a competência do STF em julgar ex-presidentes, passando por uma análise dos eventos de 8 de janeiro, frequentemente descritos como tentativa de golpe, que para ele é uma acusação sem sentido. 

"Não vejo como tentativa de golpe. Não vejo como se chegar a um golpe sem ter, por exemplo, o apoio das Forças Armadas. E esse apoio como surgiu, ele foi sempre negado. Não houve a participação em si dos Comandos das Forças Armadas."
O ex-ministro destacou a importância de aderir ao princípio da não culpabilidade, conforme estabelecido na Constituição Federal, criticando a tendência de presumir a culpa sem um julgamento justo. "Não presumir que todos sejam salafrários até prova em contrário não presumir a é o que está na Constituição Federal", afirmou, ressaltando a necessidade de respeitar o arcabouço legal.

“O perdão é sempre bem-vindo”

Sobre a anistia para indivíduos envolvidos nos atos de 8 de janeiro, o ministro argumentou que essa é uma decisão que deve ser tomada pelo Congresso Nacional e pelo Presidente da República. "O perdão é sempre bem-vindo", disse, sugerindo que a sociedade deve ser cautelosa ao buscar punições severas e manter-se alinhada com os princípios democráticos.
O entrevistado expressou preocupação com a abordagem do STF em relação aos crimes contra a democracia, questionando a competência do tribunal para julgar cidadãos comuns e discutindo a aplicabilidade da teoria do domínio do fato. "Não vejo como está se julgando no Supremo em martelada única a cidadãos comuns", criticou, defendendo que "esses cidadãos comuns deveriam estar na primeira instância".

Mello criticou também a jurisprudência estabelecida no caso de Daniel Silveira, questionando a inviabilidade de anistiar crimes contra a democracia. Ele lembra que "já tivemos Anistia no Brasil", sugerindo que precedentes históricos apoiam a possibilidade de perdão.

"Nele tudo cabe"

O "Inquérito do Fim do Mundo", como ficou conhecido o inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2019, tem sido objeto de intensa controvérsia e debate, dados os abusos que envolvem sua abertura, justificativa e condução. A investigação, iniciada por decisão do então presidente do STF, o petista Dias Toffoli,  sem passar pelo Ministério Público Federal (MPF), visava apurar a existência de notícias falsas, ameaças e infrações que atentassem contra a Corte e seus membros, mas acabou por ser usado como instrumento de perseguição contra conservadores e bolsonaristas. O ministro aposentado, em sua entrevista, expressou sérias reservas quanto à validade e ao procedimento adotado neste inquérito, destacando preocupações fundamentais com os princípios do devido processo legal e da separação de poderes.

A principal crítica do ex-ministro ao inquérito reside na sua forma de instauração e condução, que, segundo ele, desrespeita normas constitucionais essenciais. Ele questiona quem apresentará a denúncia, dado que o MPF, através da então Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, manifestou-se pelo arquivamento do inquérito, argumentando que a investigação não seguiu o devido processo legal. O pedido do MPF foi ignorado por Alexandre de Moraes.

“Quem apresentará em si a denúncia o Ministério Público vai contrariar o pronunciamento anterior da chefe dele Ministério Público, Raquel Elias Ferreira". afirmou ele. Esta indagação aponta para uma dissonância fundamental entre a autonomia do MPF e as ações do STF neste caso, sugerindo um conflito institucional que pode comprometer a integridade do processo penal, do estado democrático de direito, das instituições e de todas aquelas coisas belas e morais que o STF diz estar defendendo.

Além disso, o ministro critica a abrangência quase ilimitada do inquérito, que permite a inclusão de uma vasta gama de atos e indivíduos sob sua investigação, sem critérios claros ou limitações específicas. Ele utiliza a expressão "do fim do mundo" para descrever essa característica, indicando uma percepção de que o inquérito excede os limites razoáveis de uma investigação jurídica, “nele cabe tudo”. E destaca a duração prolongada do inquérito sem uma resolução clara ou um caminho definido para a acusação formal, “o inquérito está tramitando há cerca de 4 anos”.

Confissão de Bolsonaro

Além disso, discordou da interpretação de que a fala de Bolsonaro, durante a manifestação de 25 de fevereiro, sobre uma minuta para a decretação de estado de sítio constitua uma admissão de culpa ou evidência de uma tentativa de golpe. Ele argumentou que a declaração, por si só, não constitui uma confissão direta de intenção criminosa, sugerindo que pode haver uma expansão indevida do significado das palavras do ex-presidente. “Não potencializa o pronunciamento do presidente da república e acabo atribuindo a um arroubo de retórica".

Ele sugere que as declarações de Bolsonaro devem ser vistas dentro de um contexto mais amplo, possivelmente como uma expressão hiperbólica ou retórica, em vez de uma confissão legalmente vinculativa de intenções golpistas. O ministro enfatiza a importância de não se precipitar em interpretações que possam levar a conclusões jurídicas sem uma base sólida. 

Além disso, o ex-ministro destacou uma preocupação fundamental com o processo legal, indicando que ninguém pode ser condenado com base em sua própria acusação sem evidências adicionais. Ele argumenta que é necessário um exame cuidadoso das provas e um processo legal adequado antes de se chegar a qualquer conclusão sobre a culpabilidade. 

Impeachment contra Lula

Comentando sobre a coleta de assinaturas para um processo de impeachment contra o Presidente Lula, o Marco Aurélio discordou da tese de que os deputados que assinaram o pedido estariam impedidos de votar sobre o mesmo. "Não vamos estender aí para o legislativo os impedimentos e suspensões do Judiciário", afirmou, defendendo a ampla liberdade dos parlamentares e a importância da decisão refletir a maioria.
 

 


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