ALTA CULTURA

O Fórum E.D.A. e o exílio da verdade no Brasil

Paulo Briguet · 22 de Abril de 2024 às 14:38 ·

Qual é o preço da liberdade? Essa foi uma das questões centrais discutidas no Fórum Educação, Direito e Alta Cultura, realizado em Londrina. Juíza exilada Ludmila Lins Grilo participou por vídeo

“Dor, eu te habitei
— segmento a segmento —
e transpus teus domínios
para encontrar a pátria,
suas colinas,
a forma do meu tempo.”

(Carlos Nejar, 1974)


Naquela noite um anjo do Senhor apareceu a José em sonho e disse:

“Levanta-te, toma o menino e sua mãe e foge para o Egito; fica lá até que eu te avise, porque Herodes vai procurar o menino para o matar”. (Mt 2, 13)

Eu sei que um anjo, na forma de uma pessoa amiga, também apareceu à juíza Ludmila Lins Grilo e a aconselhou a sair do país, ou ela seria perseguida até as últimas consequências. Na abertura do 4º Fórum E.D.A., Cláudia Piovezan, que há algum tempo consagrou-se a São José, lembrou essa passagem bíblica e comparou-a à decisão de Ludmila pelo exílio. Antes que eu algum espírito de porco venha dizer que a comparação é descabida, vale lembrar a conclusão de Northrop Frye, um dos maiores críticos literários do século XX, segundo o qual todas os enredos da literatura ocidental — e, por extensão, todas as possibilidades das nossas trajetórias individuais — estão contidos nos relatos bíblicos.

No Brasil do regime PT-STF, a verdade está exilada. Por isso, aqueles que ousaram dizê-la com todas as letras — entre eles Ludmila Lins Grilo, Allan dos Santos e Filipe G. Martins — hoje pagam um altíssimo preço. Ludmila esteve presente nas três edições anteriores do Fórum, mas neste ano fez a sua participação de maneira remota, pois se encontra exilada nos Estados Unidos, unicamente por exercer a sua liberdade de pensamento e, com isso, desagradar os chefões soviéticos da juristocracia brasileira. Quando Herodes decidiu matar o Menino, houve consequências terríveis: todas as crianças até dois anos na região de Belém foram mortas, no episódio conhecido como Massacre dos Inocentes. O famigerado governante queria matar o Menino, ou seja, destruir a própria Verdade. Evidentemente, isso é impossível. Mesmo assim, as consequências da tentativa de aniquilar a Verdade são terríveis, como souberam as mães de Belém. Hoje, no Brasil, tentam sufocar a verdade pelo poder do Estado; e o resultado pode ser a morte de todo um país.

 

Em sua palestra no Fórum E.D.A., Ludmila Lins Grilo falou sobre O Preço da Liberdade. E qual seria esse preço? Para responder a essa questão, é preciso antes de tudo que a liberdade não é uma criação humana, mas uma graça concedida pelo próprio Deus. Para merecermos tal graça, porém, é necessário que estejamos sempre vigilantes e ativos, pois, em alguns momentos históricos, o poder humano tenta reverter esse dom dado por Deus. É este o momento que o Brasil está vivendo hoje. Diante da usurpação da liberdade por tiranos, — “Quando o tirano aponta uma arma diretamente para você” — Ludmila aponta algumas opções. A primeira é a submissão. Para garantir a própria segurança, você obedece ao tirano e se submete às suas exigências, até chegar às raias da humilhação. Essa costuma ser a pior opção, pois levará igualmente ao castigo, como Churchill resumiu na sua frase sobre os acordos de Chamberlain comn Hitler: “Entre a desonra e a guerra, eles escolheram a desonra, e terão a guerra”. A segunda opção é o silêncio: calar-se diante da escalada do mal, na esperança de que a atenção do tirano não seja despertada. A terceira opção é o martírio: sem acatar as ordens do tirano, permanecer no campo dominado por ele e ser condenado à morte, à prisão ou à indigência financeira. A quarta opção é o exílio: retirar-se do raio de ação do inimigo e combatê-lo desde fora.

Em geral, numa ditadura, as pessoas escolhem a primeira ou a segunda opção, na tentativa de garantir a própria segurança. Essas escolhas são típicas das pessoas que amam mais a si mesmas (e a seus cargos) do que amam a verdade e a justiça. É nesse ponto que podemos compreender o preço da liberdade: ela exige sacrifício. Abrir mão de cargos, de salários, de proteções e de comodidades. Abrir mão da própria vida, em última instância. É esse o preço que Ludmila, Allan e Filipe Martins estão pagando hoje. Diz a juíza exilada:

“Clezão pagou com a própria vida. Outros pagaram com o encarceramento, como Daniel Silveira e Filipe Martins, sendo que Daniel, um parlamentar, foi preso por crime de palavra e o Filipe foi preso por algo que ele comprovadamente não fez. Outros pagam com o exílio, o confisco dos proventos ou bens e o assassinato de reputação. Mas uma coisa é certa: alguém precisa pagar esse preço, mesmo que sejam uns poucos. Do contrário, um país inteiro será escravizado”.  

O anjo da liberdade às vezes assume formas inusitadas. Quando um jovem colombiano chamado Ricardo Vélez Rodríguez chegou ao Brasil, nos anos 70, em uma terça-feira de Carnaval, pertencia ao movimento guerrilheiro Aliança Nacional Popular (ANAPO), que tinha por objetivo instaurar uma ditadura marxista na Colômbia. Mas, no Brasil, Vélez encontrou um professor baiano chamado Antônio Paim, um ex-comunista que se tornou uma das referências do pensamento liberal-conservador no Brasil e lhe introduziu em autores clássicos como Alexis de Tocqueville. Resultado: Vélez largou as armas do marxismo e tornou-se um combatente da alta cultura.  “Posso dizer que passei por uma conversão cultural pelas mãos de Antônio Paim e dos autores liberais clássicos.”

Em sua palestra no Fórum E.D.A., Ricardo Vélez Rodríguez falou sobre sua trajetória intelectual e desceu às origens históricas e intelectuais do atual regime ditatorial instaurado no Brasil a partir da aliança PT-STF. As raízes do que Alexandre de Moraes está fazendo no Brasil são analisadas em dois livros de Vélez publicados pela Editora E.D.A.: “O Liberalismo Francês” e “Castilhismo — Uma Filosofia da República”.

Diz Vélez:

“Entramos pela porta longa do autoritarismo no final do século XIX pelas mãos de Júlio de Castilhos, que organizou sua ‘ditadura científica’ no Rio Grande do Sul. O ensaio de autoritarismo que estamos vendo não é novo. E só poderemos resgatar o país se houver liberdade de pensamento e liberdade de palavra, duas coisas que Alexandre de Moraes está destruindo.”

As origens do totalitarismo brasileiro também foram dissecadas na palestra do promotor Sandres Sponholz, um dos coautores da trilogia iniciada com o livro Inquérito do Fim do Mundo. Em sua fala, Sandres definiu o atual STF como uma espécie de governo não-eleito do país, organizada em várias secretárias: há a Secretaria de Semipresidencialismo, comandada por Gilmar Mendes; a Secretaria de Urnas Eletrônicas, de Luis Roberto Barroso; a Secretaria da Segurança nas Comunidades, de Edson Fachin; a poderosa Secretaria da Verdade e da Democracia, de Alexandre de Moraes; e, por fim, a Secretaria do Poder Moderador, de Dias Toffoli.

Para Sponholz, a atual Corte Suprema brasileira usurpou e esvaziou de sentido a expressão “Poder Moderador”, mencionada pelo filósofo francês Montesquieu no clássico “O Espírito das Leis” e adotada na Constituição Brasileira de 1824. Nos últimos anos, a expressão Poder Moderador vem sendo usada para justificar a existência de um Poder Sem Nenhuma Moderação, uma espécie de divindade estatal que vem substituir o verdadeiro Deus.

Diz Sandres Sponholz:

“Em nosso mundo decaído, o déspota quer expulsar o próprio Deus e governar em seu lugar. É nesse momento que devemos perguntar, como Juvenal, poeta satírico romano do século II: Quis custodiet ipsos custodes? Quem controla os controladores?”

A única forma de controlar esse poder arbitrário, para Sandres, é restabelecer a ponte entre o passado e o presente e resgatar os valores da verdade e da autodeterminação. Do contrário, jamais sairemos do abismo que Montesquieu descreve em “O Espírito das Leis” e assombrosamente reflete o Brasil atual:

Se não está separado do poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor: Tudo se perderia se o mesmo homem, a mesma corporação, de próceres, a mesma assembleia do povo exercesse os três poderes: o de ditar as leis; o de executar as resoluções públicas e o de julgar os delitos ou os pleitos entre particulares.”

O anjo da liberdade — aquele que apareceu em sonho a José — sabe que a defesa e a proteção da vida são princípios inegociáveis. Três palestras do Fórum E.D.A. trataram da questão do combate à criminalidade — e da guerra do crime que ceifa uma vida a cada doze minutos no Brasil.

Na palestra Guardião do meu irmão: Crime, Justiça e Ideologia no Brasil, o escritor e comentarista Roberto Motta fez uma reflexão sobre a cultura da impunidade no Brasil e a influência perniciosa (e hegemônica) do marxismo cultural no combate ao crime em nosso país. Para Motta, toda e qualquer discussão sobre segurança pública deve partir de duas premissas:

1. O criminoso é culpado pelo crime.

2. O criminoso deve ser punido pelo crime que cometeu.  

No entanto, quase todo o sistema judiciário no Brasil está dominado pela ideia de que os bandidos (uma palavra em desuso) é uma vítima da sociedade e não o responsável pelo que fez. Como resultado dessa cultura, ocorrem aberrações como a soltura de 32,5 mil presos durante a pandemia, numa decisão do Conselho Nacional de Justiça (aqui entre nós carinhosamente chamado de Sovietão).

Diz Motta:

“O problema da criminalidade no Brasil é muito mais grave do que se imagina. E a solução muito mais próxima do que se imagina. Quando me dizem que eu defendo o encarceramento em massa, respondo dizendo que isso não é verdade pelo simples fato de que 66% dos crimes são cometidos por 10% dos criminosos. Só vamos chegar a uma solução de partirmos dos pressupostos de que o criminoso não é a vítima, mas o autor do crime; e de que a sentença do criminoso não pode ser mais leve que a sentença da vítima.”

O promotor de justiça Filipe Regueira de Oliveira Lima, autor do livro “O Brasil prende demais?”, também publicado pela Editora E.D.A., surpreendeu o público do Fórum com dados comparativos entre a realidade do sistema penal no Brasil e nos países desenvolvidos. Com dados sólidos e gritantes, o promotor pernambucano demonstrou que a ideia de que o Brasil é um país “punitivista” não encontra o menor respaldo na realidade dos fatos.

Só para ficar em um exemplo: a Alemanha — sempre citada com grande admiração pelos garantistas brasileiros — é incomparavelmente mais rigorosa que o Brasil na punição de seus criminosos. Se considerarmos a população carcerárias dos dois países, veremos que a Alemanha tem 4% dos condenados em prisão perpétua (o Brasil tem zero); a Alemanha tem 2% em detenção de segurança (o Brasil tem zero); a Alemanha tem 14% em regimes abertos (o Brasil tem 49%); e, finalmente, a Alemanha tem 86% dos presos em regime fechado (o Brasil tem 51%).

Regueira citou alguns dos exemplos mais escabrosos da frouxidão penal brasileira, como o caso da morte do menino João Hélio, morto ao ser arrastado pelas ruas do Rio em 2007. Dez anos depois, um dos assassinos de João Hélio, condenado a 39 anos de prisão, estava livre nas ruas — e voltou a cometer crimes!

Diz Felipe Regueira:

“Na verdade, o que temos no Brasil é uma pena nominal simbólica, que jamais corresponde à verdadeira pena privativa de liberdade, ao contrário do que acontece na maioria dos países”.

Em sua palestra Berços, não túmulos, o escritor e jurista Diego Pessi foi ao cerne do problema da criminalidade: o ato de matar e suas consequências.

No livro que deu origem à palestra, Pessi cita uma frase do grande escritor francês Georges Bernanos:

“Há algo de diabólico no olhar de quem se regozija com a visão do justo que expira e do mal que se alimenta do espetáculo da inocência em agonia”.

A fala de Pessi no Fórum E.D.A. consistiu numa reflexão sobre a sacralidade da vida humana, algo que progressivamente vem sendo perdido na sociedade contemporânea. Para o coautor do best-seller “Bandidolatria e Democídio”, toda consideração sobre fenômeno do homicídio deve partir do pressuposto de que o homem, tal qual ensinava Chesterton, é o único animal capaz de se comportar como um santo ou como um demônio. Para exemplificar essa dualidade, Pessi destacou o caso do sacerdote católico Maximiliano Maria Kolbe, que em 1942 se ofereceu para morrer no lugar com um prisioneiro do campo de extermínio de Auschwitz.

Diz Pessi:

“Em um lugar governado pelos demônios, São Maximiliano Kolbe realizou o mais nobre dos sacrifícios, entregando a própria vida. Nos últimos anos, vivemos uma revolução em nosso país, em que milhões perderam a vida para o crime. Talvez esteja chegando o dia nós precisemos decidir entre agir como S. Maximiliano Kolbe ou como seus algozes”.

O anjo da liberdade também abençoou o 4º Fórum E.D.A. com as palestras da advogada e professora Isabelle Monteiro e da psicóloga e escritora Araceli Alcântara. Como se elas houvessem combinado — e, garantimos, isso não aconteceu — as falas de Isabelle sobre a educação domiciliar e de Araceli sobre abertura à vida se complementaram magistralmente.

Isabelle, mãe do Leonardo Pio, uma das muitas crianças presentes no Fórum, narrou toda a luta das famílias educadoras brasileiras por um direito fundamental: o direito de escolher a melhor educação para os próprios filhos. Direito esse que, surpreendentemente, foi defendido com veemência e sólidos argumentos numa decisão do ministro Luis Roberto Barroso, em 2018, mas anos depois, inexplicavelmente, revogado por uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, esta em consonância com as agendas dos soviéticos educacionais da esquerda brasileira. Qual será o desfecho dessa luta pela liberdade? Que as autoridades supremas, por uma inspiração dos céus, levem em consideração as palavras da professora Melissa Moschella, PhD em Educação:

“E assim como o útero é o local mais adequado para a gestação física nos nove primeiros meses de vida, a família é o local mais adequado para que a gestação continue nos níveis físico e psicológico e se estenda ao nível racional”.

Falando justamente sobre gestação e família, Araceli Alcântara, mãe de seis e autora dos livros “O Mínimo sobre a Ansiedade” e “A Porta Aberta” compartilhou com o público do Fórum uma linda e emocionante história de abertura para a vida, como recomenda a sabedoria eterna da Igreja.

O singelo e comovente fio narrativo de “A Porta Aberta”, livro infantil lançado pela Editora Texugo, com ilustrações da artista Giselle Daminelli, se inspira em um questionamento feita pelo primogênito Vicente assim que nasceu seu primeiro irmão. Vicente queria saber de onde viera o novo bebê da família. A mãe, então lhe explicou, que Jesus cuida de vários bebês lá no Céu e os chama para a vida. Quando Vicente foi chamado, esqueceu a porta aberta — e por ela vieram os seus cinco irmãozinhos.

O livro de Araceli — e o trabalho de Isabelle — se harmonizam perfeitamente com esse amor à vida e à liberdade que marcou todas as palestras do Fórum E.D.A., e que podem ser sintetizadas numa frase do célebre jurista Roberto Lyra:

“O amor é, por natureza e por finalidade, criador, fecundo, solidário, generoso. Ele é cliente das pretorias, das maternidades, dos lares e não dos necrotérios, dos cemitérios e dos manicômios. O amor, o amor mesmo, jamais desceu ao banco dos réus. Para os fins de responsabilidade, a lei considera apenas o momento do crime. E nele o que atua é o ódio. O amor não figura nas cifras de mortalidade e sim nas da natalidade; não tira, põe gente no mundo. Está nos berços e não nos túmulos”.

E já que estamos falando de berços, nada melhor que encerrar esse artigo mencionando aquele que foi o guardião do berço de Jesus — portanto, o guardião da própria Verdade. Em períodos de perseguição, quando os maus governantes estão no poder e tentam destruir toda e qualquer dissidência, a Verdade encontra seu refúgio na alma e no coração dos indivíduos. É como disse Henrique Lima na palestra de encerramento do Fórum:

“O Brasil não tem solução política, nem jurídica. A única solução, como ensinava o saudoso professor Olavo de Carvalho, é levantar a cultura para um dia produzir um novo ambiente moral na sociedade. Estudar. Escrever bons livros. Publicar bons livros, como faz a Editora E.D.A. Marcar a época com nossas obras”.

E onde entra São José nessa história? Entra na coragem que marcou todas as palavras do Fórum E.D.A. Entra na bondade e na sabedoria do Padre Antônio Fiori, que falou sobre a necessidade de lutarmos contra a banalização do mal em nosso tempo. Entra na lucidez e no desassombro do mestre Percival Puggina, que propugnou contra os males da omissão e do silêncio cúmplice. Entra na necessidade de entender que a nossa pátria original é a Verdade. Esta Verdade que será perseguida, que será censurada, que será presa, que será exilada — mas nunca será esquecida por aqueles que A amam.       

Paulo Briguet é escritor e editor-chefe do BSM.

Ao longo da semana, o BSM vai publicar diversas entrevistas especiais com os palestrantes do 4º Fórum Educação, Direito e Alta Cultura (E.D.A.)

 


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