ESPECIAL

15 motivos para não descriminalizar o aborto

Especial para o BSM · 4 de Março de 2024 às 15:35 ·

O médico Raphael Câmara, ex-Secretário Nacional de Atenção Primária do Ministério da Saúde na Gestão Bolsonaro, explica por que é uma insanidade permitir o assassinato de bebês no ventre de suas mães

Por Raphael Câmara Medeiros Parente

Em 2018, houve a audiência pública da ADPF 442 que foi solicitada pelo PSOL para descriminalizar o aborto até 12 semanas. Fui o único médico no turno dos especialistas que foi contra a descriminalização. Cerca de dez médicos foram a favor da descriminalização do aborto, o que me entristeceu muito porque sei que a maioria dos médicos é contra o aborto. Aqueles vinte minutos de fala mudaram minha vida. E tenho certeza que a de muitos bebês ainda não nascidos também. Eu foquei minha apresentação em mostrar evidências provando que os números que as ativistas usavam de mortes e sequelas para justificar a descriminalização eram falsos. E baseado nessa apresentação, a pressão para a descriminalização arrefeceu. Antes da minha apresentação, era comum, ativistas a favor do aborto mentirem na maior desfaçatez inventando números de milhares de mortes por ano por aborto. Após minha apresentação, elas passaram a ruborizar com essas mentiras e traçaram novas estratégias.
 

 

Era época do Governo Temer que mandou duas representantes do Ministério da Saúde da época irem lá defender o aborto e sua descriminalização. Inclusive, o Ministério da Saúde da época levou dados falsos para apoiar seu pleito de liberar o aborto como pode ser visto neste link.

 Logo depois, o presidente Bolsonaro se elegeu e a pauta contra o aborto virou questão de governo. Também por isso, fui chamado para assumir o cargo de Secretário Nacional de Atenção Primária, pasta que engloba a saúde da mulher. Eram tempos de covid-19; a coordenação da saúde da mulher da época queria colocar o aborto como serviço essencial mesmo em governo conservador contra o aborto. Câncer não era serviço essencial, mas aborto queriam que fosse. Nessa situação de insubordinação, fui chamado para colocar ordem na casa, e aí vieram os maiores avanços recentes contra o aborto, feitos todos sob meu comando: portaria que obrigava a notificação de casos de estupro seguindo a Lei de violência sexual de 2018 e que certamente intimidaria mulheres que mentiam para conseguir o aborto com excludente de ilicitude nas maternidades que muitos chamam de “aborto legal” como pode ser vista aqui; o lançamento do documento Atenção Técnica para Prevenção, Avaliação e Conduta nos Casos de Abortamento que proibia a assistolia fetal (matar o bebê com cloreto de potássio em seu coração antes de fazer o parto); e notas técnicas que proibiam o aborto por telemedicina e venda de misoprostol fora do ambiente hospitalar. Lamentavelmente, todas essas medidas foram revogadas pelo atual Ministério da Saúde. É triste que na campanha eleitoral, o Lula e o PT que todo mundo sabe que veem aborto como questão de “saúde pública” enganaram o povo dizendo que eram contra o aborto.  E isso com o apoio velado ou explícito de muitas entidades que se dizem contra o aborto, inclusive algumas religiosas. Essa mudança de governo encorajou o STF a exercer seu já costumeiro ativismo judicial de querer legislar no lugar do Parlamento sempre com a desculpa de que o Parlamento está inerte. “Ser inerte” é uma decisão: deduz-se que o Parlamento eleito pelo povo para fazer leis considera a lei atual satisfatória. A relatora do caso é a Ministra Rosa Weber, que nos estertores de seu mandato quis deixar seu voto a favor da descriminalização. Em seu voto, um dos argumentos que a ministra utilizou foi o da “liberdade sexual”. Ou seja, para a pessoa poder ter relações sexuais sem responsabilidade, os bebês devem morrer. Isso num mundo com tantos contraceptivos disponíveis e distribuídos gratuitamente pelo SUS.

Por outro lado, creio que alguns parlamentares ditos de direita não aproveitaram em nada a janela de oportunidade para aprovarem leis contra o aborto. Nada foi aprovado no Parlamento. Nossas ações no âmbito do Executivo só se mantiveram enquanto éramos governo. Muitos parlamentares usam essa pauta só para conseguirem votos, mas não se importam com ela fora dos holofotes das redes sociais. Outros até tentavam propor algum projeto de lei, mas com viés religioso tão forte que anulava qualquer chance de êxito. A gama de ações que os parlamentares de direita poderiam fazer contra o aborto é enorme. Desde medidas simples como entrarem com ação judicial para recolocarem no ar nossos materiais técnicos de alto valor técnico retirados ilegalmente do ar, já que é contra a legislação se tirar qualquer documento técnico do ar (o que se pode fazer é colocar um mais atual no ar, mas jamais retirar o anterior), inclusive porque passado um ano e dois meses do governo do PT até agora não tiveram competência para colocar um novo documento no ar já que não possuem pessoal especializado para tal. Até proporem projetos de lei factíveis e simples como, por exemplo, obrigar a necessidade de um boletim de ocorrência para se solicitar o aborto previsto em lei por estupro. Como é hoje, basta se dizer que foi estuprada que se tem o direito a se fazer o aborto. Na prática, o aborto no Brasil é liberado. Os casos de mentiras para se obter aborto sem qualquer investigação embora desconhecido, garanto que não é pequeno. O atual governo do PT tem como ideologia liberar o aborto e todas suas ações mostram isso. Como exemplo, cito trecho de nota técnica enviada pela coordenação de saúde das mulheres do PT criticando documento deles mesmos de 2014 na gestão Dilma que escreveu: “Sobre o documento de 2014, cumpre esclarecer que o seu  conteúdo  possui  disposições  favoráveis  às demandas de saúde pública, apesar de conter afirmação equivocada na página 81 sobre a realização do aborto  legal:  “não  há  indicação  para  interrupção  da  gravidez  após  22  semanas  de  idade  gestacional.” Neste caso, limita injustificadamente o acesso ao aborto e fere os dispositivos do código penal sobre a temática. A nota informativa está desatualizada e precisa ser revista em sua totalidade”. Ou seja, o foco atual dos movimentos a favor do aborto e do PT é normalizar matar bebês com mais de 22 semanas até nove meses de gravidez. Precisamos que os parlamentares ajam contra isso por meio de ações judiciais, PDLs, ADPFs, etc... Como gestor que fui, posso garantir que nenhum deles gosta de receber ação judicial.

Atualmente, há um movimento articulado que transforma leigos e ativistas em “especialistas” pela mídia. Todos estes atores juntos distorcem e literalmente inventam informações, algumas vezes por ignorância, outras com verdadeiro dolo. Uma área da ciência na qual este movimento ocorre com total força é na obstetrícia, principalmente nos temas do aborto e da via de parto. Feministas, ativistas pró-aborto, pesquisadores ligados a instituições pró-aborto, mídia com viés de esquerda, dentre outros, descaradamente, manipulam dados em busca da liberação do aborto no Brasil em qualquer situação. Mesmo os especialistas de renome consultados possuem viés fortemente favorável à causa, não havendo espaço para o contraditório. Reparem que os entrevistados neste tema são sempre os mesmos. Quando alguém que pensa “fora da caixa” dos ativistas tem oportunidade de falar, provoca um espanto tão grande que transforma uma entrevista que deveria ser técnica em um cenário de ativismo como ocorreu comigo nesta entrevista sobre via de parto na GloboNews anos atrás sobre via de parto:
 

 

 


Como médico obstetra, doutor em ginecologia e mestre em saúde coletiva, escrevo este artigo com o intuito de dar a visão de um especialista sobre o tema e esclarecer os dados relacionados ao aborto no Brasil. Para nós, defensores da vida, a vida se inicia na concepção e fiz questão de deixar isso gravado em artigo meu e do ministro Queiroga na revista científica médica mais importante do mundo, a Lancet.

Abaixo, iremos mostrar de forma sucinta em 15 motivos para não se legalizar o aborto no Brasil!

 Já escrevi diversos artigos sobre o tema nas mídias impressa e digital. Alguns, podem ser acessados para ajudarem no conhecimento sobre o tema:


1) A mentira sobre a legalização do aborto

2) Ativismo pró-aborto: Dados falsos e desinformação

3) Nota técnica sobre o aborto defende a lei brasileira

4) Não, o aborto não é uma questão de saúde pública

5) Aborto em infectadas por zika vírus: Nota técnica sobre a ADI 5581

Feito este preâmbulo, citemos 15 motivos para explicar que não deve o STF liberar o aborto no Brasil por meio da ADPF 442 proposta pelo PSOL (quem mais poderia ser?) para liberar o aborto no Brasil até 12 semanas.

 

1. Não há uma epidemia de internações por aborto no Brasil

O primeiro ponto que deve ser sempre lembrado é que o aborto espontâneo é muito comum. Podemos encontrar relatos na literatura de até metade das gravidezes evoluir para aborto. Isso pode se dar por diversos motivos, mas os principais são: alterações genéticas e cromossômicas, infecções maternas, traumas, dentre várias outras. E saber isso ajuda a desmascarar o primeiro mito dos ativistas a favor do aborto: não há muitas internações por aborto no BrasilDados do Sistema de Informações Hospitalares do SUS nos mostram que em 2016 houve cerca de 186 mil internações pós-aborto para realização de curetagem (procedimento para retirada de restos ovulares) e aspiração manual intrauterina (mesmo propósito, mas menos agressivo). Levando em conta que tivemos cerca de 3 milhões de partos neste mesmo ano, o número pode ser considerado pequeno (6,2%). Portanto, não há qualquer epidemia de internações por aborto. Na maioria das vezes, a mulher aborta antes do atraso menstrual e nem se dá conta.

Os ativistas mentem descaradamente ao afirmar que grande parte deste número é advindo de abortos provocados. Não há qualquer possibilidade de sequer estimar qual a porcentagem destes casos que pode ser creditada ao aborto ilegal. Exatamente por ser ilegal, a paciente comumente não relata que foi provocado. E mesmo quando há o relato, o médico jamais vai divulgar por conta do sigilo médico. O dado que o Datasus recebe, portanto, é do total de abortos (espontâneos, legais, ilegais, etc.). Cada morta por suspeita de aborto ilegal deve ser enviada obrigatoriamente para necropsia no IML por se tratar de morte violenta. Somente nestes casos pode ser feita a associação inequívoca da morte com o aborto ilegal. O médico hospitalar não pode fornecer a declaração de óbito em casos de mortes violentas, exceto nos raros casos em que não é possível enviar a paciente ao IML.

 

2. O número de mortes maternas por aborto é muito menor do que a mídia diz

A mídia é especialista em divulgar dados infundados sobre o aborto. Esta reportagem do jornal O Estado de São Paulo, por exemplo, comete erros em série. Inicia com a chamada “4 mulheres morrem diariamente por complicações do aborto”. O corpo do texto – aquele que boa parte das pessoas não lê – entretanto, afirma algo bem diferente: “o Sistema de Notificação de Mortalidade (SIM) (…) indica 54 mortes comprovadas de mulheres em decorrência da interrupção da gravidez em 2014”. O Estadão não diz exatamente de onde tirou o número que sustenta a chamada (“números do Ministério da Saúde obtidos pelo Estado”), mas é fácil deduzir: simplesmente usaram a totalidade de mortes maternas em 2015 (um total de 1738 mortes) que englobam qualquer causa, sendo as principais identificadas: eclampsia (164), hipertensão (162) e hemorragia pós-parto (127). As mortes por “falha de tentativa de aborto”, “outros tipos de aborto” e “aborto não especificado” somaram 53 no ano de 2015, um número quase 33 vezes menor.

Na gravidez, a mortalidade ocorre principalmente no parto e próximo pelos motivos mencionados (hipertensão, hemorragia, eclâmpsia, dentre outros). O aborto é somente a quinta causa clínica de mortalidade materna. Culpar o aborto pela mortalidade materna é jogar uma cortina de fumaça nos reais problemas que transformam o sistema de saúde brasileiro em um assassino de gestantes: péssima assistência, maternidades em grande parte parecendo uma pocilga, pré-natal em que é praticamente impossível conseguir ser atendido por um obstetra, falta de leitos em grande parte dos municípios, falta de treinamento de profissionais que fazem a assistência ao parto, retirada do obstetra da assistência ao parto em prol de parteiras e enfermeiros para baratear o custo em demérito da saúde, imposição do parto vaginal mesmo em situações em que não há condições com o objetivo de baratear os custos em saúde, dentre outros.

Outra matéria, agora d’O Globo, divulga um falso número de mortes maternas ligando-as ao aborto: “65 mil mulheres morreram no Brasil por complicações ao dar à luz, durante ou após a gestação ou causadas por sua interrupção.”. É notório que a mortalidade materna do Brasil é vergonhosa, mas nem em Chade, o país com a pior mortalidade materna do mundo, o número chegaria a este valor. Como dito anteriormente, houve 1738 casos de mortalidade materna no Brasil em 2015, o que já é um vexame absoluto tendo em vista que a mortalidade materna do Japão é de cerca de 3 mortes por 100 mil nascidos vivos.

Dados de mortes por aborto no Brasil atualizados retirados do Ministério da Saúde (2022):

 

 

 

 

 

A tabela acima mostra os óbitos por aborto espontâneo, por aborto por razões médicas e por outras gravidezes que terminam em aborto de acordo o CID 10. Sendo divididos por cores da seguinte forma:

• Verde: óbitos por infecção – 130 óbitos;

• Azul: óbitos por hemorragia – 35 óbitos;

• Vermelho: óbitos por outras formas não especificadas sem

• complicações – 83 óbitos;

• Cinza: óbitos por complicações de gravidez ectópica ou

molar – 7 casos;

• Laranja: óbitos por complicações não especificadas – 139

óbitos;

• Amarelo: óbitos por embolia com 15 óbitos;

• Branca: óbitos por falha no aborto por razão médica – 07.0 e 07.2 – 2 óbitos.

O maior índice de óbitos por aborto é o causado por outras formas não especificadas com complicações, com 139 casos, seguido de infecção do trato geniturinário por órgãos pélvicos com 130 casos. Ressalta-se que, por razões médicas, tem-se o número de dois

abortos nos últimos 5 anos em que se incluem as seguintes causas:

falha por aborto por razões médicas complicado por infecções do trato genital e órgãos pélvicos e falha por aborto por razões médicas complicado por embolia, destacando que a causa por embolia apresenta também nas causas por razões médicas a causa aborto por

complicações por embolia. Percebam que estão incluídas nessas mortes abortos por quaisquer causas: abortos espontâneos, mola hidatiforme, gravidez tubária, dentre outras. O número de mortes advindas de aborto ilegal nesse universo não é possível se saber com certeza, mas certamente é um subgrupo bem menor do que o total. O que aniquila de vez o argumento de milhares de mortes por ano por aborto ilegal.

 

3. Aborto nunca é um procedimento seguro

Ativistas pelo aborto gostam de repetir que o "aborto legal é um procedimento seguro”. Um detalhe mostra exatamente o contrário: utilizando dados do DataSUS de 2015 para mortes decorrentes do aborto (Figura 1) nota-se que houve 3 mortes por aborto por causas médicas e legais, ou seja, aqueles realizados no hospital com teoricamente todo o cuidado. Dado que estas mortes decorreram dos 1700 casos de abortos realizados de forma legaltemos uma taxa de 176 mortes em 100 mil! É um número espantoso que deveria obrigar os gestores a fazerem uma inspeção em todos os centros de realização de aborto legal no que se refere a material humano, ambiência e outros fatores. Para efeito de comparação, os cerca de 60 mil homicídios anuais no Brasil correspondem a uma taxa de 30 mortes em 100 mil.

Figura 1: Três mortes por abortos por causas médicas e legais em 2015. Fonte: DataSUS


Cabe salientar que o CID (Classificação Internacional de Doenças) de aborto por razões médicas e legais (O08) compreende aqueles feitos por estupro, anencefalia e causas médicas que são exatamente os previstos na lei brasileira. Não sendo leviano como muitos ativistas a favor do aborto, lanço a hipótese destes casos poderem ser de doenças graves maternas que obrigaram a interrupção da gravidez. Por outro lado, é possível que grande parte dos bons obstetras se negue a fazer abortos decorrentes de supostos estupros por objeção de consciência, direito previsto em lei para casos que não se caracterizam como emergência.

Até mesmo a mais alta autoridade na área da saúde, o ministro Ricardo Barros no passado, soltou pérolas sobre o tema. Em entrevista ao Estadão, o ministro afirmou: “Recebi a informação de que é feito 1,5 milhão de abortos por ano. Desse total, 250 mil mulheres ficam com alguma sequela e 11 mil vão a óbito.” Como já vimos, o número total de abortos é um completo chute. Pode ser mais, pode ser menos. Pode ser qualquer coisa. Mas os outros dois números são fora da realidade e fogem a qualquer lógica. O suposto número de 11 mil óbitos é quase 10 vezes maior que a real mortalidade materna total do país (1738 mortes em 2015)E número de mortes por “falha de tentativa de aborto”, “outros tipos de aborto” e “aborto não especificado”, como já vimos, foi de 53 em 2015. A ocorrência de uma morte, embora possa ter sua causa subnotificada, tem probabilidade de erro muito menor porque a declaração de óbito é necessária para efetuar o enterro, e a informação é enviada imediatamente para as estatísticas oficiais. Já o suposto número de 250 mil mulheres com sequelas supera, inclusive, o total de internações anuais por todos os tipos de abortos: 186 mil. É sabido que o aborto tem uma taxa de sequelas muito baixa e, na maioria das vezes, de menor importância. Portanto, estes números sequer podem ser chamados de chutes. É, na melhor das hipóteses, uma completa ignorância sobre o tema. Ou pior: um reflexo do fato de muitas áreas técnicas da saúde da mulher são aparelhadas por militantes pró-aborto. É fundamental que estes postos sejam ocupados por pessoas técnicas com rigor científico. Em nossa gestão no Ministério da Saúde, só participavam dessas áreas sob meu comando pessoas de notório saber. Os três diretores eram obstetras. Um era mestre, doutor e com 4 pós-doutorados em obstetrícia, sendo um em Harvard e outro em Oxford. A outra era mestre em saúde da mulher e professora de universidade federal e o outro também com mestrado na área e professor universitário. No atual Ministério da Saúde, não há nenhum obstetra na gestão. É uma completa irresponsabilidade com as mulheres brasileiras. Destruíram tudo o que fizemos na área, como a criação da Rede de Atenção Materno-infantil (RAMI) que dobrou o orçamento para cuidar de mães e bebês passando de 900 milhões de reais por ano para 1.8 bilhão e destruíram o programa Cuida mais Brasil que colocava pediatras e ginecologistas na atenção primária. Mais detalhes podem ser vistos neste artigo de opinião que escrevi no O Globo no final de 2022.

 

4. Os estudos sobre o aborto divulgados pela mídia geralmente são enviesados

Os números dos estudos sobre o aborto geralmente adquirem vida própria e são utilizados da forma mais irresponsável possível pela mídia e por ativistas. De forma geral, é importante, ao ler um estudo, ver quem são seus autores, seus possíveis conflitos de interesse, estudos anteriores, como foram financiados, quais agências de fomento públicas ou privadas patrocinaram seus estudos, a ideologia que possuem, se são “queridinhos” pela mídia e muitas outras variáveis muitas vezes difíceis de serem avaliadas pelos leigos.

Outro fator importante a observar é se o pesquisador é da área. É comum, no Brasil, na área de obstetrícia, os pesquisadores serem epidemiologistas, antropólogos, sociólogos, doulas, dentre outros. Muitas destas pessoas sequer sabem o que é a barriga de uma grávida do ponto de vista clínico. E, não mais que de repente, passam a ser sumidades na área da obstetrícia de dentro de suas salas refrigeradas. Pessoas que jamais viram um parto passam a dizer, por exemplo, quando se deve fazer parto vaginal ou cesariana. Algo semelhante ao que ocorre na área de segurança em que indivíduos que nunca patrulharam uma rua passam a ser considerados pela mídia “especialistas” na área.

Deve-se atentar também para o fato de que entidades mundiais de grande renome também possuem conflitos de interesses, algo perigoso dado que elas possuem poder e norteiam políticas de saúde pública pelo mundo, tornando muito difícil alguém contrário ter voz para criticar seus dados. A Organização Mundial de Saúde (OMS) é uma grande alarmista nesta questão do aborto ajudando por vezes a espalhar dados não reais. Na questão do parto, por exemplo, desde 1985 a OMS exigia que os países seguissem uma taxa irreal de no máximo 15% de cesarianas. Somente em 2016, após muita pressão, ela acabou com esta meta que impossível de ser cumprida sem expor mulheres a risco. Nenhum país desenvolvido do mundo possui taxas de cesarianas menores que 15%. A única vantagem desta taxa era baratear a assistência médica e arrumar emprego para parteiras e enfermeiros ao retirar o obstetra. Não consigo me lembrar de nenhum caso recente de filho ou parente de político que tenha tido parto vaginal, mas eles são os primeiros a defendê-lo para os mais pobres.

 

5. O estudo mais utilizado no Brasil para estimar a quantidade de abortos se baseia em premissas sem qualquer comprovação científica, vulgo “chute”

Um estudo bastante utilizado como fonte por ONGs pró-aborto é o de Monteiro, Adesse e Drezett (2015) publicado pela revista “Reprodução & Climatério”. A primeira crítica que faço ao estudo é que ele parece denominar o aborto ilegal como aborto “induzido” sendo que o aborto legal também pode ser induzido. Em outro momento ele se refere a “induzido e clandestino” quando seria mais clara a denominação “aborto ilegal”. Mas a situação fica crítica quando notamos que todos os resultados são baseados em estimativas que usam premissas ditadas pelo Guttmacher Institute, uma instituição fundada pela principal rede de abortos dos Estados Unidos, a Planned ParenthoodO cálculo multiplica por 5 o número de internações hospitalares usando uma premissa não validada de que, no Brasil, a cada 5 mulheres que realizam um aborto ilegal, 1 vai procurar assistência médica; e estabelece outras premissas duvidosas sem qualquer comprovação científica: um chute onde 25% dos abortos são espontâneos e há 12,5% de subnotificação.

Baseado nestas regras, sem qualquer comprovação científica, o estudo concluiu que a quantidade de abortos ilegais pode ter variado de 687 a 865 mil em 2013 e que este número tem caído com o passar dos anos provavelmente por haver um melhor acesso a métodos contraceptivos. A mídia adota este estudo como uma verdade que não merece qualquer tipo de contestação. Se eu fosse realizar uma estimativa, baseado no número real de 186 mil internações por aborto anuais no Brasil, calcularia que cerca de 25% delas foram causadas por abortos ilegais e multiplicaria este número por 2 para incluir aquelas que não procuraram o hospital, o que daria 93 mil abortos ilegais por ano. Para chegar a este cálculo partiria do princípio que, atualmente, o método mais utilizado para o aborto ilegal é o misoprostol (Cytotec) e ele tem uma baixa taxa de complicações, mas muitas mulheres que o utilizam sangram, ficam com medo de ainda terem “alguma coisa” no útero e procuram o hospital para se certificarem do sucesso do método. Outras realmente têm algum tipo de ocorrência mais séria e precisam de atendimento médico.

Quem realmente atende pacientes nota que o número de abortos espontâneos é muito maior, mesmo porque não é muito difícil diferenciar o espontâneo do ilegal. As próprias pacientes costumam falar a verdade quando perguntadas por uma questão de sobrevivência. O médico precisa saber e elas confiam nos obstetras sabendo que a grande maioria jamais quebrará seu juramento de sigilo. Eu, mesmo sendo terminantemente contra o aborto, jamais deixaria de atender uma paciente com complicações para utilizar o que ela me falou contra ela.

 

6. Os dados sobre o aborto no Brasil não possuem a qualidade necessária para retirar conclusões inequívocas

Um ponto muito importante que deve ser minuciosamente explicado, já que grande parte destes estudos se valem de documentos oficiais, é como os dados oficiais sobre o aborto surgem.

No Brasil, o aborto é crime salvo nas situações previstas em Lei. Portanto, como já dito, em 2015 houve cerca de 1700 abortos legais. Todo o resto será classificado pelo CID-10 em categorias clínicas ou não classificadas compreendidas entre O0-0 e O0-8. Não há nenhuma classificação para aborto ilegal. O aborto médico e legal está na categoria O0-4 e só compreende os casos de estupro, anencefalia e risco de vida materno. Logo, o número de abortos ilegais em qualquer estudo não passa de um chute.

Há dados bons e dados péssimos. O médico é o único responsável por preencher a declaração de óbito e diagnosticar se o paciente está vivo ou morto, havendo poucos erros neste diagnóstico. A via de parto (cesariana ou vaginal) também costuma ser mencionada pelo médico de forma clara. Mas quando a questão é mais complexa e é difícil obter o real diagnóstico, a confiança é muito menor. No caso do aborto, é muito provável que o médico assistente coloque como diagnóstico no prontuário algo como “restos ovulares”, “aborto espontâneo”, “aborto incompleto”, “mola”, dentre outros. O médico não tem a preocupação de escrever no prontuário exatamente como no CID-10 nem é esta a sua obrigação, sua obrigação é salvar vidas! Entretanto, cada prontuário se torna fonte para totalizar os 186 mil casos de abortos por ano no Brasil.

Fora isto, cabe lembrar que os responsáveis por encaminhar os dados para o Ministério da Saúde não são os médicos que atendem o paciente diretamente, mas os burocratas dos hospitais. Letras de médicos são normalmente difíceis de serem decifradas e, muitas vezes, o diagnóstico que o médico deu não está na lista que o burocrata consulta para enviar a informação, o que faz com que ele chute. Inclusive, se não o fizer, o hospital pode nem receber o pagamento pela internação. Dificilmente o responsável pelo envio da informação ao Ministério da Saúde procurará os médicos que atenderam diretamente a paciente para se certificar do que houve e, mesmo que o faça, o médico dificilmente lembrará. Afinal, estamos falando de hospitais com milhares de atendimentos por mês.

Ou seja: qualquer estudo baseado nestes dados sofrerá um absurdo viés que o ferirá de morte: o viés de informação. E são estes dados que alimentam os Sistemas de Informação sobre Mortalidade (SIM) e Informações Hospitalares (SIH), as bases que os pesquisadores pró-aborto utilizam para fazer suas estimativas. A literatura sobre as inconsistências nos dados é farta. Um estudo de 2016 mostrou que há fraca correlação entre o descrito na declaração de óbito e o preenchido no sistema. Outro estudo do mesmo ano mostrou uma taxa de acerto menor do que 70% nas declarações de óbito feitas por médicos professores de uma Universidade Federal, sendo que a causa da morte apresentou erro de preenchimento acima de 50%. É lógico concluir que os erros no preenchimento de prontuários relacionados ao aborto sejam iguais ou ainda maiores.

 

7. Não é preciso fazer boletim de ocorrência para fazer um aborto legal e a maioria dos obstetras é contra a ampliação da lei do aborto

Em 2016, um estudo avaliou todos os 68 centros de aborto com excludente de ilicitude no Brasil. Chamou atenção o fato de que, dos 1283 prontuários de aborto legal analisados no estudo, 1212 tiveram estupro como justificativa, 55 anencefalia, 9 risco materno e 7 por outras malformações graves que não a anencefalia. É absolutamente impossível saber quantos destes estupros foram reais e quantos foram mero subterfúgio para obter o aborto. Como o próprio Ministério da Saúde atual orienta que não há necessidade de apresentar o Boletim de Ocorrência (BO) para obter um aborto  por estupro, este número tende a ser cada vez mais desconhecido. Uso o nome aborto com excludente de ilicitude porque todo aborto é crime, mas em algumas situações não é punível. Chamar de aborto legal seria o mesmo que chamar homicídio com excludente de punibilidade como em casos de legítima defesa de homicídio legal.

Os autores do mesmo estudo relatam a capacitação escassa das equipes e a dificuldade para obter um médico obstetra para integrar as equipes, dado que grande parte dos médicos escolheu a profissão para salvar vidas. Sobre este tema, um ginecologista que realiza abortos legais recentemente relatou em entrevista ao jornal Folha de São Paulo que a objeção de consciência não é motivo relevante para não realizar abortos citando uma pesquisa que diz que “65% dos ginecologistas acham a legislação penal do aborto restritiva demais”. O que ele não disse é que a pesquisa foi realizada em 2003 e 2005, e está bem claro nela que os obstetras consideravam isso principalmente em situações de malformações fetais graves (77% em 2003, 90% em 2005), uma questão decidida pelo STF em 2012, enquanto somente 9,7% (em 2015) declarou ser a favor do aborto em qualquer circunstância. Eu, por exemplo, sou obstetra, não concordo com ampliação e me recusaria a fazer um aborto por objeção de consciência conforme a lei me autoriza. De acordo com a pesquisa citada, a maioria dos obstetras também pensa assim.

 

8. O famoso estudo de Débora Diniz e salada de números que ele criou

Em 2016, foi publicado um estudo amplamente divulgado pela mídia que tem como autores Débora Diniz, Marcelo Medeiros e Alberto Madeiro. Avaliando 2002 mulheres alfabetizadas de diferentes áreas urbanas brasileiras e autointitulado “Pesquisa Nacional do Aborto 2016”, o estudo concluiu que 20% das mulheres entre 35 e 39 anos de idade (definidas como “próximas aos 40 anos de idade”) fez um aborto ao longo da vida. Pois agora, em 2023, este mesmo grupo liberou um novo estudo e o resultado não é mais o de um a cada cinco, mas sim de um a cada sete...

Primeiro: é muito complicado avaliar por meio de questionários qualquer ato que seja ilegal. Mesmo que as pesquisadoras tenham tomado cuidado para aumentar a sensação de sigilo e utilizado a “técnica da urna” (questionário em papel respondido pelas próprias entrevistadas e depositado em uma urna lacrada), o medo existe.

Entretanto, vamos assumir que o resultado esteja correto. O problema vem logo a seguir, quando o próprio estudo e a mídia extrapolaram os resultados para todo o Brasil, relatando um valor absurdo de “503 mil abortos por ano” ou “quase um aborto por minuto” como publicou a Carta Capital: “Estima-se que, aos 40 anos, uma em cada cinco tenha feito ao menos um aborto ao longo da vida, ou 4,7 milhões de brasileiras. Somente no ano passado, 503 mil optaram pela interrupção da gravidez. Foram ao menos 1,3 mil abortos por dia, 57 por hora, quase um por minuto. Essas brasileiras são, acima de tudo, mulheres comuns. Os dados foram revelados pela Pesquisa Nacional do Aborto 2016, um dos maiores levantamentos sobre o tema no Brasil, realizado pelo Anis – Instituto de Bioética em parceria com a Universidade de Brasília e financiado pelo Ministério da Saúde.”

A suposição que me causou mais espanto e, obviamente, a mídia não se tocou ou ignorou, é que o estudo mostrou que cerca de 50% das mulheres que fizeram o aborto precisaram ser internadas para concluí-lo. Esta taxa é exatamente o valor que supus baseado na minha experiência como obstetra, com a diferença que, se usarmos os dados oficiais do Ministério da Saúde para fazer a extrapolação, temos 93 mil abortos ilegais por ano e não 503 mil. Lembrando que o número real de abortos ilegais não é conhecido.

Cabe salientar, utilizando a técnica que menciono no item 4, que o realizador deste estudo (“Anis – Instituto de Bioética”) se autodeclara como uma “ONG feminista” que desenvolveu “a estratégia da ADPF 54, em cuja decisão, em 2012, o Supremo Tribunal Federal reconheceu o direito à interrupção da gestação para mulheres grávidas de fetos anencéfalos”.

Mas o que mais chama atenção é a enorme discrepância em tão pouco tempo dos resultados dessa pesquisa que foi realizada em 2010, 2016 e 2021. Um grande orgulho meu é jamais ter liberado um único real para pesquisas de grupos que defendem a liberação do aborto. A verba para saúde da mulher nunca foi tão alta quanto na minha gestão, tendo eu conseguido de orçamento extra por meio do orçamento de guerra para a covid-19 que tinha uma agressividade maior com grávidas mais de 2 bilhões de reais gastos para salvar mães e bebês e não para gastar como ideologia. Os resultados da pesquisa de 2021 mostraram por entrevistas que foram realizadas em uma amostra de 2.000 mulheres com idades entre 18 e 39 anos e residentes em áreas urbanas. Mostrou que cerca de 10% das mulheres em 2021 disseram ter feito ao menos um aborto na vida (15% em 2010). Estimamos que aproximadamente uma em cada sete mulheres (15%) teve um aborto aos 40 anos. Houve declínio na proporção de mulheres que foram hospitalizadas para finalizar o aborto (55% em 2010; 43% em 2021; p = 0,003) e na proporção de mulheres que usaram medicamentos para o aborto (48% em 2010; 39% em 2021; p = 0,028). Reparem que são taxas bem menores que a pesquisa anterior. Talvez por isso tenha recebido muito menos espaço na mídia.

 

9. Nada indica que a legalização do aborto diminuirá a quantidade de abortos

Este é outro ponto que os ativistas adoram afirmar: “a legalização reduzirá o número de abortos”. O bom senso e a lógica, entretanto, mostram que o número aumentaria. Logo, os ativistas citam estatísticas do Uruguai, França, Portugal e outros países que mostrariam que ocorre uma diminuição. O problema é que tal argumentação utiliza as mesmas “estimativas” (chutes) do número de abortos ilegais que menciono ao longo do texto. Ou seja, dados não confiáveis. Não há veracidade neste argumento. Pelo contrário, o que se tem de evidências é que a liberação aumenta o número de abortos. A curva é sempre a mesma. Tão logo ocorre a liberação do aborto, o número dispara em relação ao período anterior e depois atinge um platô que é bem maior do que antes da liberação. Isso fica bem claro quando se avaliam os números do Uruguai em que se nota uma disparada de abortos após 2013 (ano da liberação). O aborto passa a ser um método contraceptivo:

 

Número de abortos no Uruguai (dados do Ministério da Saúde uruguaio):

Na Espanha, nos três primeiros anos da legalização, registrou-se um aumento no número absoluto de abortos legais em relação ao último ano da proibição.  Assim como na Espanha e no Uruguai, em Portugal, nos primeiros anos da nova lei, o número de abortos feitos pelo sistema público aumentou. Em 2008, foram realizados 18.607 procedimentos, com pico de 20.480 em 2011. Este fenômeno é universal e se espera que no Brasil seja ainda maior pela menor escolaridade. Será uma catástrofe.

 

10) A formação do sistema nervoso central se inicia com 2 semanas de gravidez

Os defensores do aborto costumam levar a discussão para uma suposta dúvida de quando se inicia a vida, como se houvesse alguma dúvida de que ela se inicia na concepção. Estes mesmo s que colocam em dúvida se a vida se inicia na concepção, não têm a menor dúvida de que um ser unicelular como uma bactéria é vida. E, obviamente, é. Mas usam de toda uma ginástica hermenêutica para dizerem que no caso do embrião não é. Pior, criam uma confusão tentando inventar diversos pontos no tempo como onde supostamente iniciaria a “vida”: início da formação do sistema nervoso central, início dos batimentos cardíacos e por aí vai. Pois bem, o início da formação do sistema nervoso central se dá com duas semanas de gravidez quando, geralmente, a mulher nem desconfia que está grávida já que ainda não houve a falha na menstruação. O início dos batimentos cardíacos se dá tão cedo quanto com 4 semanas de gravidez. Mesmo se entrando nessa discussão sem lógica de quem defende o aborto, ao se fazer o aborto já há cérebro e coração, portanto, uma vida indiscutível até mesmo para quem brinca com a biologia ao dizer que não há vida na concepção.

 

11) A liberação do aborto será a legalização da eugenia no Brasil

Causou espanto para alguns a notícia recente de que no Reino Unido aumenta o número de abortos em gestações com bebês com síndrome de Down (Nascimento de crianças com Síndrome de Down cai pela metade no Reino Unido, pois pais estão decidindo pelo aborto – Revista Crescer | Gravidez (globo.com)). Não deveria causar espanto pois é sabido que em todos os países em que o aborto é legalizado o nascimento de crianças com síndrome de Down é praticamente zero. Na Islândia é de zero! Islândia aborta 100% dos bebês diagnosticados com síndrome de Down (semprefamilia.com.br) Não há outro nome para classificar isso que não seja o de EUGENIA!! É a escolha de quem merece nascer ou viver baseado em critérios físicos e isso é mais um dos infinitos produtos negativos da legalização do aborto. O argumento de quem defende o aborto é de que a mulher vai cometer o aborto independente de ser crime ou não. Este argumento é completamente destruído com o fato irrefutável de que em países onde o aborto é liberado praticamente não há nascimento de bebês com síndrome de Down. Esses bebês não seriam assassinados no ventre materno caso não fosse legalizado. Além disso, é óbvio que o medo de responder a um processo criminal impede muitas pessoas de cometerem esse ato criminoso. Não é só isso. Com a liberação do aborto, muitas pessoas passam a o utilizar como método contraceptivo, sabendo que caso engravidem, poderão facilmente ir ao hospital da esquina matarem seus bebês. Seria interessante que a mídia progressista mostrasse um único exemplo de um país em que tenha havido diminuição de abortos após a liberação. Importante lembrar que com o avanço das técnicas de reprodução assistida, é possível se saber grande parte das características físicas de um bebê ou sua probabilidade. Não é ser profeta do apocalipse se pensar que haverá abortos por motivos tais como não concordar com o gênero do bebê ou alguma característica física como a cor dos olhos.

 

12) Todas as formas de se fazer aborto são cruéis e não se usaria nem com o pior criminoso condenado à pena de morte

Se as pessoas soubessem como é feito o aborto, tenho certeza que a maioria imediatamente iria se arrepender e ter vergonha de sua defesa. Há dois métodos. Um é por meio do AMIU (aspiração manual intrauterina) em que o embrião ou feto é sugado e instantaneamente dilacerado e transformado numa “papinha” que é descartada e o outro método é a curetagem que vai dilacerando o embrião ou feto cortando e esmagando suas partes com ele vivo. Não se faz isso nem em sessões de tortura da Idade Média. Por último, é importante avaliarmos a questão da sensação de dor no feto. Frequentemente, afirma-se que existe um consenso de que a dor não é possível antes do desenvolvimento do córtex e antes da periferia ser conectada ao córtex através da medula espinhal e do tálamo. Esses desenvolvimentos geralmente não são aparentes antes de 24 semanas de gestação e muitos órgãos médicos afirmam que a dor não é possível antes de 24 semanas de gestação. Indiscutivelmente, nunca houve um consenso de que a dor fetal não é possível antes de 24 semanas. Muitos artigos discutindo dor fetal especularam um limite inferior para dor fetal abaixo de 20 semanas de gestação. Vários artigos já foram publicados sugerindo que a necessidade do córtex para a experiência da dor pode ter sido exagerada. Um estudo, por exemplo, demonstrou experiência contínua de dor em um paciente com extenso dano às regiões corticais geralmente consideradas necessárias para experiência de dor. Além disso, os proponentes anteriores da dor fetal especularam que a atividade neural na subplaca pode apoiar a experiência de dor fetal. Com 12 semanas de gestação, ocorrem as primeiras projeções do tálamo para a subplaca cortical. O que poderia regredir ainda mais a idade gestacional para a sensação de dor por parte do feto. É um tema ainda em estudo e dificilmente se terá uma resposta definitiva brevemente.

Por último, ninguém tem como esquecer o bebê morto com 29 semanas em hospital na Universidade Federal de Santa Catarina por meio da injeção de substância em seu coraçãozinho para o matar antes de o retirar por desejo materno após um estupro. Isso é maldade inaceitável. É direito da mãe antecipar a gravidez, mas jamais poderia o médico matar um bebê viável sem motivo. Exatamente para honrar a vida deste bebê, sou relator de uma proposta de resolução pelo Conselho Federal de Medicina que proíbe a assistolia fetal que espero seja aprovada ainda em 2024.

 

13) A liberação do aborto é tema para o Legislativo e não para ativismo judicial

O ativismo judicial no Brasil vem atingindo níveis alarmantes com o STF invadindo competências dos poderes Executivo e Legislativo sempre em nome de um tal direito do STF tutelar os outros poderes, como pode ser visto neste trecho do voto da presidente do STF, ministra Rosa Weber: “Na democracia, os direitos das minorias são resguardados, pela Constituição, contra prejuízos que a elas (minorias) possam ser causados pela vontade da maioria. No Brasil essa tarefa cabe ao Supremo Tribunal Federal, a quem o art. 102, caput, da CF, confiou a missão de “guardião da Constituição”. Muitas vezes também é alegado que o STF age por inércia do Parlamento. Este argumento é totalmente desprovido de lógica, já que esta suposta inércia advém de o legislador estar satisfeito com a atual Lei. Pior, é visto como avanço e progresso (progressistas) qualquer ato no sentido de se ser mais liberal quanto ao aborto e atraso quando no sentido contrário. A impressão que tenho é que o Atual Congresso se instado a agir, seria no sentido de tornar mais restrita a legislação que norteia a questão aborto. O que seria salutar porque na prática, no Brasil, o aborto é liberado. Basta a mulher ir numa maternidade e dizer que foi estuprada em qualquer idade gestacional que ela terá seu “direito” ao aborto realizado. Embora a Lei de violência sexual de 2018 obrigue ao médico denunciar o estupro para ser investigado, não é cumprida muitas vezes e a mídia e o atual Ministério da saúde ainda fazem propositalmente confusão no tema dando a entender que isso é ilegal. Os mesmos que dizem para denunciar qualquer agressão com o bordão “em briga de marido e mulher se mete a colher”, dizem para não denunciar casos de estupro. Isso porque sabem no íntimo que há probabilidade de muitos abortos feitos por supostos estupros serem baseados em falsos estupros e sem investigação não há como se saber. E também não há como se prender os verdadeiros estupradores.

Isso só ocorre porque os ativistas a favor do aborto sabem que a maioria da população brasileira é contra o aborto e quanto mais pobre, mais contra. E as pesquisas mostram que as mulheres pretas e pobres são as que mais são contra. Exatamente, as que os militantes abortistas dizem defender. Hipocrisia pura. Pesquisa recente mostrou que ser contra o aborto é algo que une eleitores do Lula e Bolsonaro.

 

14) Não haverá médicos para se fazer aborto e será instituído o caos nas maternidades

A maioria dos médicos e profissionais de saúde brasileiros é contra o aborto, segundo pesquisas da própria Febrasgo. A liberação provocará centenas de casos diários de objeção de consciência trazendo conflitos nas maternidades, dificuldade para se conseguir obstetras, anestesiologistas e enfermagem, já piorando o cenário de caos das maternidades públicas. Afastará  bons profissionais da assistência.  Além disso, surgirá uma enorme demanda de mulheres que usarão o aborto como contraceptivo duelando por vagas nas maternidades com as gestantes, puérperas e aquelas com aborto por causas naturais.

 

15) O aborto não é problema de saúde pública

O argumento de que o aborto é problema de saúde pública é geralmente utilizado por políticos covardes que não têm coragem de se assumir a favor da legalização do aborto.

Os defensores da descriminalização do aborto tradicionalmente utilizam diversos dados falsos, exagerando o número de mortes e internações decorridas da realização de abortos ilegais, por exemplo. Provei, ao vivo, que os números reais eram muito menores. As mortes maternas por aborto, por exemplo, que alguns chegam a afirmar que são de até 70 mil por ano, na verdade estão entre 50 e 70 mortes por ano somando todos os tipos de aborto, incluindo abortos legais feitos pelo estado com uma mortalidade maior do que a mortalidade materna dos partos. 

Por definição, um problema de saúde pública é algo que tem impacto na sociedade por meio de mortalidade aumentada, morbidade, custos do tratamento para a sociedade e pelo potencial epidêmico em caso de infecções (saiba mais aqui). Como mostrei no STF, a liberação do aborto aumentou o número de abortos nos países onde aconteceu. No Uruguai, por exemplo, desde a liberação (2013) os números aumentam ano a ano, sem exceção. Dada a taxa de mortalidade de abortos legais no Brasil, a liberação aumentaria a mortalidade de mães e os custos do SUS, além de provocar um caos nas maternidades estatais já lotadas. Mulheres que hoje mal têm leitos para parir e sofrem com recursos escassos correriam ainda mais riscos, tendo que competir com um crescente número de mulheres que desejariam abortar.

Os números divulgados pela mídia, normalmente, são igualmente absurdos: 11 mil mortes maternas, 50 mil, 70 mil. Como mostrei no STF, ONGs feministas fazem cartilhas “ensinando” como os jornalistas devem apresentar o tema e como abordar o assunto, inclusive sugerindo militantes pró-aborto para comentarem as matérias. Até mesmo a liga acadêmica de ginecologia e obstetrícia de uma universidade pública federal citou o número de 70 mil, tendo que corrigir o erro posteriormente. O que preocupa é que eles provavelmente aprenderam isso em sala de aula.

Não tenho a menor dúvida de que grande parte das pessoas que ficam numa discussão filosófica sobre quando começa a vida para legitimar o assassinato de fetos ficariam horrorizadas ao presenciar um aborto natural de uma gravidez de 12 semanas onde é possível ver uma pequena pessoa lutando para sobreviver fora do corpo materno e falecendo. Como obstetra e médico treinado para não me envolver sentimentalmente com os casos, posso garantir que é difícil entender como alguém pode ter coragem de enfiar uma cureta no interior do útero para matar, decepar e retirar um ser do ventre materno.


Conclusão

Espero que este texto tenha ajudado a trazer alguma luz sobre os abortos no Brasil. Trouxe minha experiência de ex-Secretário Nacional de Atenção Primária do Ministério da Saúde de 2020 a 2022, pesquisador, conselheiro federal e regional de medicina, obstetra que já trabalhou em algumas das maternidades mais movimentadas do estado do Rio de Janeiro e ex-dirigente da Comissão de Parto, Puerpério e Abortamento da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia.

O Brasil só mudará o panorama de mortes maternas se houver investimento (não necessariamente estatal) pesado em saúde sem mentiras como “iremos diminuir a mortalidade materna se legalizarmos o aborto”, “precisamos diminuir as cesarianas” (inventando termos como “violência obstétrica” para qualquer ato médico muitas vezes necessário como episiotomia e outras manobras obstétricas) e retirando o obstetra da assistência ao parto colocando no lugar enfermeiros e obstetrizes para gastar menos. Como este texto deixa claro, estas ações são articuladas e os ativistas pró-aborto possuem ótimas relações na mídia, judiciário, artistas, opinião pública, “intelectuais” e outros formadores de opinião. Convém combatê-las com a melhor arma de todas: a verdade.

Raphael Câmara Medeiros Parente é médico ginecologista-obstetra, conselheiro Federal de Medicina Pelo RJ e ex-Secretário Nacional de Atenção Primária do Ministério da Saúde na Gestão Bolsonaro.

 


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